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Uma mãe não tem o direito de morrer


A cerca de treze anos atrás, eu estava sentada na cadeira do cabeleireiro, me sentia deprimida, pois minha mãe havia falecido recentemente, olhando para o espelho comecei a desfiar para a profissional, o relato da perda que havia experienciado, minha indignação e a solidão que sentia.

A cabeleireira, sem tirar os olhos do que estava fazendo, e as mãos da tesoura, disse, simplesmente: - As mães não tem mais o direito de morrer.¨

Fato. Naquela frase seca, Na chacoalhada que senti dentro de mim, comecei a ressignificar o sentido da dor que trazia. Parte era raiva, parte era "isso não é justo", parte, "você me deixou". Parte, egoísmo. Ainda esperava algo da minha mãe, não a liberava.

Numa conta rápida percebi que os que ficam perdem um, que se vai e o que vai (morre), perde a todos, ao mesmo tempo.

Na escrita de Drauzio Varella, no livro Por um fio, encontrei ainda mais compreensão, saí da solidão árida que se experimenta com a perda de um ente, da luta psíquica que se trava contra o inimigo comum - A Morte, e entendi: Aqui se trata da alma humana, da perplexidade diante da nossa finitude. E nela, a chance de dar um sentido melhor para a vida, ainda em vida.

Anos depois, adentrando no trabalho das constelações familiares, o tema : os mortos, ainda causava em mim, certa tristeza e medo.

Na minha primeira experiência em constelação, me lembro de sentir muito pesar, vazio e desconhecimento sobre os mortos da minha família, como se fosse uma página que faltasse de um livro. A consteladora me pediu para olhar os mortos representados no chão, os que morreram na guerra, os que nunca conheceram o Brasil, os que apesar de ter o mesmo nome nunca puderam me ver. Senti um peso enorme no coração, algo me atraía para reconhecer aqueles rostos e senti uma compaixão nunca antes experimentada. A facilitadora disse uma frase: - Vocês fazem parte."

Sim! Era verdade! "-" Reconheço o alto preço pago por vocês, para que eu estivesse aqui."

Sim! Isso é muito importante.

Fui tomada por uma gratidão, e onde era um vazio - sem nome, agora estava preenchido pela MEMÓRIA, dos que fazem parte, também.

Nesses anos meu acolhimento aos mortos só aumentou, apesar de ainda ser uma fronteira com o desconhecido, as inúmeras demonstrações vivenciadas no campo das constelações nos traz algumas percepções importantes:

Estamos vinculados, emocionalmente aos mortos mais do que podemos supor.

Isso se dá quando um ente pré morto na família, é excluído pela própria situação da morte (homicídio, suicídio, morte precoce, doença grave, natimorto, adictos), onde a circunstância da morte traz um trauma tamanho, que ele não é mais visto, não é acolhido nos pensamentos sem que seja qualificado como coitado, desafortunado ou mesmo fraco Torna-se um tabu para muitas famílias.

A família vivencia este sentido de exclusão em suas próximas relações, como solidão, falta, tristeza, raiva ou mesmo alguma doença, como sintoma que aponta para este evento passado não acolhido ou desagregado.

Em termos práticos, trago o exemplo de uma constelação, onde a moça apresentava a sensação de solidão recorrente, uma diabetes precoce na infância e de não se sentir importante diante dos seus. Já havíamos colocados vários elementos, até que eu pedi que uma pessoa representasse aquilo que ainda não foi visto, não foi acolhido por aquela família, e a representante dizia se sentir estranha, como se não estivesse ali, como se não se conectasse a ninguém próximo a ela, e quando eu me coloquei ao seu lado, imediatamente, senti que ela representava alguém que não enxergava.

Perguntei a cliente se havia alguém nessa condição em sua família, e depois de pensar um pouco, ela disse que uma de suas avós havia ficado cega e que, havia tido muitos filhos, e que como não podia cuidar de todos, seu avô trouxe uma das empregadas para viver na casa, sendo a nova esposa e cuidadora dos filhos.

Estava feita a conexão com o tema da cliente. Pedi a ela que dissesse a avó : - " Eu vejo você, vovó." _" Reconheço o alto preço que lhe custou a cegueira." - "Você é grande, vovó.

E o que assistimos alí com esta reconexão dentro do campo familiar desta cliente, foi o reconhecimento emocionante e amoroso de uma ancestral e seu destino pesado. Este destino também faz parte.

Ainda em outro grupo, quando olhado para um avô, ao qual os representantes se vêem conectados, o cliente comenta não saber sequer, o nome deste avô, numa família onde as mulheres tomam pra si encargos pesados, por conta do destino experimentado pelos homens deste clã. Olhamos para tudo como é, assim como foi, olhamos para o avô e agradecemos por tudo que ele pôde fazer, porque o fez em nome de sua família. O representante experimenta alívio.

E, assim, sucessivas histórias de inclusão e reconexão com os que já foram.

Muitos de nós ainda nos ressentimos do mortos, nos conectamos a eles por um sentido de falta, os prendemos por causa de nossas exigências, e muitas vezes, esperamos que algo venha por intermédio deles, cumprindo com alguma expectativa.

Importante se faz, é reconhecer o lugar deste ente, não auferindo menor ou maior valor em relação aos outros membros da família. O que este ente entregou tem igual valor.Não se quer aqui retirar a responsabilidade dos atos e decisões de cada um em vida, não. Não se trata disso. Trata saber-se PERTENCENTE. Na grande engenhosidade que nos envolve a todos na trama do destino familiar, a que veio cada um de nós? Que encargos assumimos por fidelidade invisível a nossa família? Para quem olhamos, quando apresentamos transtornos emocionais, quem não é visto nessa família?

Muitas outras vezes numa constelação, os que representam os mortos estão bem, estão em paz, lançam olhares de amor e conexão com os outros membros representados, independente dos destinos que experimentaram.

E, o que recorrentemente vejo, em muitos campos, é o NÃO TER PODIDO SE DESPEDIR, É O ÚLTIMO ABRAÇO NÃO DADO, O RECONHECIMENTO, AGORA DITO NUMA FRASE OU ,MAIS UM OLHAR AFETUOSO A SER ENTREGUE, antes que todos nós mergulhemos novamente, nessa tênue e ao mesmo tempo profunda linha que divisa a matéria do espírito.

Reconhecer os que vieram antes, reverenciar suas existências, saber-nos gratos a eles por tudo que fizeram, assim como puderam. Orar a eles, alegrar-nos com eles, festejá-los, talvez como o fazem os mexicanos; acender uma vela, lembrar de suas frases preferidas, o que seja. Vermos, em nossas lembranças, os que já se foram, nos seus melhores dias, nas suas melhores fotografias. Cada um sabe como isso lhe toca.

Para depois então, DEIXARMOS IR. Com leveza. Em paz.

Ps. Foto da minha mãe com minha filha quando pequena. Amor pra sempre♡

Rita Paula Tyminski

Constelação Familiar para a Vida

São Paulo, Londrina, Palhoça

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