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O pai em mim


O pai em mim

Não conheci meu pai biológico.

Minha mãe me entregou em adoção aos 5 anos.

Na nova família, fui criada como a caçulinha.

Bem recentemente, procurei restabelecer contato com minha mãe natural, quarenta anos depois da adoção. E neste reencontro, ela me contou o nome do meu pai: Paulo. Me chamo Paula em homenagem a ele. E que meu primeiro nome Rita, é em homenagem a minha avó paterna. Nunca imaginei. É gratificante saber o porquê dessa junção incomum de nomes.

Ainda assim, ele continuou um ilustre desconhecido para mim. Ela não tinha informação atualizada dele, ou mesmo se estava vivo. Parecia mesmo, que era algo do qual ela não quisesse comentar. Ele havia ido embora antes do meu nascimento.

.

Meu pai adotivo era um homem reservado e quieto, e na minha percepção de criança, isso significava um pai distante. Minha mãe do coração (como ela mesma, carinhosamente, se intitulava), tinha uma liderança moral e espiritual sobre nós todos. Fui criada, então, numa família com acentuado pulso das mulheres.

Talvez por sentir-me suprida nas minhas necessidades afetivas sob a influência desta forte polaridade feminina, havia em mim, nesses anos que se passaram, .um embotamento emocional. Uma fraca habilidade em expressar-me sobre as minhas perdas na infância.

Até que...

e toda história tem seu ponto de virada, quando se diz: até que....rs

Quando iniciei minhas formações terapêuticas, dei início a um caminho de auto conhecimento, e num dos encontros nas aulas de Constelação Familiar, o tema era - O pai - VER o pai - caminhar até ele - o pai biológico - sem palavras.

Senti-me destruída, angustiada, desmoronada frente a representação de um pai que não provocava em mim nenhuma emoção.

Ao fim daquele módulo, me senti como cubos de gelo dentro de um copo, enquanto vão se dissolvendo, e suando por fora.

Dias depois, consolei a mim mesma: Calma, você nunca havia feito esse exercício, foi impactante, se dê um desconto.

No encontro do próximo módulo, no momento de feedback, coloquei minha mão firme no alto, e com taquicardia mesmo, disse ao nosso professor:

- Eu não sinto o meu pai, eu não sinto nada.

Ele perguntou:

- Você quer senti-lo?

Eu imediatamente titubiei... meu corpo demonstrava toda minha tensão.

O mestre disse:

- Você ainda não está pronta, né?

- Não, ... e meu corpo todo relaxou da tensão. Ainda não.

No dia seguinte, após algumas dinâmicas, fui chamada pelo professor, em meio a um tema de criação de filhos que havia surgido. Ele perguntou:

- Vamos olhar para seus pais?

- Sim, sim. Me dirigi até o mestre, sentindo medo. Bastante.

O que se desenrolou a seguir nesta constelação resume, numa profundidade absoluta, todos os movimentos das almas das pessoas envolvidas na história da minha adoção.

Sem palavras, cada representante foi trazendo toda a emoção e sentimentos envolvidos, e há muito guardados no silêncio do coração de cada personagem deste enredo.

Primeiro, busquei meus pais de criação, num impulso desesperado, de estar protegida, como se o que viesse dos outros pais fosse ameaçador .

Me coloquei entre eles, num gesto de reconhecimento e gratidão, que nunca antes havia manifestado. E chorei.

Depois, com um movimento reticente, e temeroso, comecei o caminho para meus pais biológicos - parecia uma criança pequena, que ainda desequilibra e titubeia com o próximo passo, algo em mim queria voltar para o conhecido: o abraço do outro casal.

Retomava o caminho, um pouco relutante, e um fio de julgamento já se encorpava em mim: Por quê? Mas na coragem de olhá-los, nos seus rostos vislumbrei muita dor, saudade e talvez um saudosismo. São humanos. Lembrei-me de meus filhos, e isso fortaleceu meus passos, num caminho que parecia longo demais, exigente demais.

Quando me aproximei de ambos, minha mãe tencionava ter um impulso abrupto de me abraçar - e a essa idéia eu a rechaçava . Busquei o pai - sim, o pai.

Havia uma energia, uma ligação me atraindo até ele.

Minhas mãos, na intenção de tocar seu peito, formigavam, frias; e de um instante para outro, a mão esquerda e minha cabeça estavam aninhadas no seu peito. E eu ouvi. As batidas do seu coração. E como numa imagem introjetada dentro de mim, me senti no útero, guardada, reconhecendo aquele som, as batidas. E era bom.

Nos instantes seguintes, algo muito forte se sucedeu, eu fui perdendo as forças das pernas, e por mais que resistisse, acabei indo ao chão, sem reação, e nenhuma vontade de sair dali, estava ausente. De olhos fechados.

Sei que movimentos dos representantes se seguiram, mas não pude acompanha-los, havia em mim uma leve sensação de desligamento, reconfortante. O professor apenas disse: - É um caso de vida ou morte.

Quando abri os olhos, meu pai biológico representado, tentava me levantar do chão, quando o professor disse: - Não, você não estava lá, você foi embora. Olhe para o pai adotivo e diga: - Muito obrigado. Os dois trocaram olhares e um leve sorriso que, denotava pra mim, reconhecimento. A constelação foi encerrada.

Os dias que se seguiram a Constelação, me trouxeram um grande desconforto orgânico. - infecção urinária -

Catarse. O choro da minha alma, nunca trazido pela criança. O medo exuberado na sua forma mais intensa.

Libertação.

Nas bem colocadas palavras do professor: - "Você não estava lá."

Reconhecer esta evidência, sanou em mim a dor da vítima.

Mas, o mais importante foi trazer a SENSAÇÃO física, talvez intrauterina, do pulsar do peito do meu pai.

E desta sensação, a EMOÇÃO, o encontro com a metade do que eu sou - a fonte - da qual sou parte integral.

Esse reconhecimento é atemporal, é absoluto. É como se nas minhas veias o sangue se encorpasse, e a anemia, companheira de toda uma vida fosse abraçada fortemente, aquecida, e transmutada em ferro aquoso.

Tem a ver com o encarne. Estar na carne.

E não divagando com o espírito perambulando em busca da historinha que lhe traga sua identidade.

Aterrei. E isso traz peso aos ossos. Colaborada por uma disposição deliciosa em cuidar do meu corpo e me exercitar, apaziguando a osteopenia precipitada nos quadris.

Eu não tenho sua foto, não andei de cavalinho nas suas costas, eu não dei presentes a ele, mas depois de décadas, aceitei dele o maior presente que ele pôde me dar: A VIDA. Plena, irrevogável.

Introjetei em mim a força do MASCULINO junta a minha, já um tanto cambalida força FEMININA, vinda de um cansativo "tem que ser", " tem que estar", tem que provar que consegue sozinha. Força essa, às vezes, um tanto neurótica por achar-se demasiadamente responsável por mim.

Sou a metade mãe e a metade pai - sou a mais perfeita tradução da união amorosa dos dois.

Sou vida. Abundante.

A autora é formada em Direito - Universidade Estadual de Londrina

Facilitadora em Constelação Familiar em São Paulo/ capital e Londrina/Pr

Pós graduando em Constelações Familiares pela Hellinger Schulle

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