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A campainha está quebrada, por favor bata bem forte no portão.


Toda semana faço caminhada num bairro próximo de casa, e há uns dois anos passo em frente a uma residência que me chama a atenção pelos avisos que seguidamente se renovam na frente do portão. O primeiro aviso que me lembro, manuscrito, em caneta esferográfica dizia: A campainha não funciona. Com o tempo e os borrões provocados pela chuva este bilhete não podia mais ser visualizado. Trocaram por outro e por outro, cada um mais detalhado e específico que o anterior, até que semanas atrás, fui surpreendida por um novo aviso, agora em placa, imprimido e em cores, fixado no portão: " A campainha está quebrada, por favor bata bem forte no portão."

Eu já estava pronta pra tecer algum comentário sarrista sobre se o trabalho de escrita e impressão não teria sido o mesmo de chamar um eletricista e consertar o interfone? No entanto, logo fui surpreendida por outro pensamento, o de que todos nós, ou a maioria de nós, está em muitas áreas de nossas vidas pendurando uma placa e dizendo o mesmo: a campainha está quebrada, por favor bata bem forte no portão; ou seja, criamos manobras requintadas para incrementar nossa PROCRASTINAÇÃO. Ao invés de nos dedicarmos, efetivamente, para a solução de questões de trabalho, relacionamento, família ou dos entulhos domésticos, nós deixamos pra lá. E no lugar travamos uma logística, as vezes, complicada para conviver com nossa escolha de não resolver. Sim, a procrastinação é uma escolha de não resolução.

Mas já sabemos que em se tratando do pensamento sistêmico, nem toda escolha é deliberada, e sim atrelada. Atrelada a que? A nossos emaranhados familiares.

Assim, a procrastinação como sintoma, como sinalizadora de um emaranhado a que estamos subjugados, passa a ser um verdadeiro ‘modus operandi’, uma maneira de agir, processar ou realizar qualquer atividade. O que evita que olhemos efetivamente para o que está por trás dela, por exemplo:

A IDENTIFICAÇÃO COM O DESTINO DE UM ANTEPASSADO, que experimentou muita luta, muita resistência, e nos comunica a ideia de “para que insistir”, “para que continuar”, se depois “morro na praia”?

E anterior a esta identificação existem os NOSSOS PARADIGMAS, que vem de nossas memórias familiares, que nos entregam os comportamentos aprendidos (pelos neurônios espelhos – desde nossos pais, observamos seus gestos e falas e os registramos, sem que precisassem ter sido necessariamente ensinados a nós). São essas memórias que valorizam nossos comportamentos, ou seja, que dão valor a eles. Esses valores alimentam nossas crenças – e estas alimentam nossos comportamentos. Muitas vezes, corre em nós o registro de falas como: “Isso não é pra nós, é pra gente de sorte”, “Faça o que é seguro, não arrisque”. Gerações anteriores se alimentaram desses paradigmas, e o fizeram bem, pois muitas vezes, a própria sobrevivência dependeu desses pensamentos. No entanto, nós, a nova geração, queremos, por exemplo obter dinheiro de variadas fontes ou cuidar da saúde de um outro jeito, e acabamos por fazer escolhas que CONFRONTAM OS PARADIGMAS.

E, no momento que decidimos que vamos fazer de outro jeito, começam os SABOTADORES – depois das primeiras aulas de língua estrangeira, achamos complicado e trabalhoso, e decidimos que “não é pra mim”; se começamos a cuidar do sobrepeso com exercício físico, logo nos surpreendemos com a constatação de que “pra que insistir”, se depois “morro na praia”?

Resultado: procrastinamos, adiamos algo que já havia sido incitado em nossa ALMA, um impulso trazido pela má consciência – pelo desejo da nossa geração de fazer de outro jeito, e que nos traz o apelo para que a gente se mova. E mesmo querendo nos dispor ao novo, voltamos para a LEALDADE àquelas antigas memórias, e então uma frase pode nos tomar: “Para que fazer diferente, você está inventando moda, faça o que é seguro.”

A lealdade é o que vai garantir a observância da boa consciência, daquilo que já estava lá, a muito tempo, como um código de comportamento. Aqui a procrastinação se torna sintomática, e sem o reconhecimento de que professamos uma rotina preestabelecida, nossa chance de implementar o novo diminui muito. Passamos a considerar normal o prolongamento de situações, e ao mesmo tempo, nos sentimos culpados e envergonhados por não cumprirmos com nossas responsabilidades.

E, ainda, nas frases, ditas, tantas vezes, repletas de inocência: “Não estou pronto”, “Ainda não tenho o que preciso para começar” ou “Ainda me falta algo”, reside, sem que seja, muitas vezes, consciente, um pedido velado para os pais, baseado na ideia sinistra de que: “Ainda tenho o direito de obter algo dos meus pais.”

Sinistra porque traz a sugestão ao subconsciente de que podemos ainda aguardar, pois eles, os pais, ainda nos suprirão, pois os pais ainda devem. E, nesse aguardo, sucumbimos ao retardamento das nossas ações, dos nossos erros e acertos. Não crescemos, procrastinamos.

E o que retardamos quando procrastinamos? Nossa missão.

Não permitimos que uma força superior que simplesmente sabe para onde devemos seguir para uma certa tarefa, ganhe impulso e espaço dentro de nós.

No entanto, e a tempo, eu agradeço a procrastinação. Uma entidade tantas vezes necessária em nossas vidas. Em muitos impasses, em muitos retardamentos que pratiquei, eu simplesmente não podia ainda me mover. Hoje reconheço. Reconheço que a Procrastinação faz parte. Faz parte da LEI DO PROCESSO. Saber-se que certos comportamentos eram procrastinatórios. Que retroalimentavam as memórias do passado e as circunstâncias inacabadas por nossos antepassados, que de certa forma nos repassaram pelo bastão do destino.

A isso eu me curvo profundamente. E, então, eu me responsabilizo, e não preciso mais me desculpar mil vezes que “a campainha está quebrada”, eu a conserto, pois não encontro mais prazer em procrastinar.


Autora – Rita Paula Tyminski

Constelação Familiar para a Vida – São Paulo, Londrina e Palhoça.



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Mark Wood
Mark Wood
06 janv.

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