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Para onde o sonho olha?


Para onde olha o sonho? Nesta interessantíssima abordagem sobre trabalho com sonhos trazido por Bert Hellinger em seu livro A Simetria Oculta do Amor; ele traz um sentido prático de observação para nossos sonhos repetitivos ou ocasionais, e nos faz refletir: nossos sonhos, muitos deles apontam para um problema apenas, ou também trazem uma solução ?

"Hellinger: Não trabalho muito com os sonhos, mas, quando o faço, adoto uma visão de processo, fenomenológica. Evito mitologizar os sonhos. Alguns terapeutas o tratam como se fossem mensagens divinas. Eu, porém, sou muito sensível a distorção da realidade que pode ocorrer no trabalho com os sonhos e na hipnose, especialmente o problema da falsa lembrança.

(...) Os sonhos são muito adaptáveis ao fluxo de energia na vida da pessoa. Se nossa energia flui no sentido de evitar decisões e ação efetiva, ou de manter o status quo, nossos sonhos justificam esta postura. Se utilizamos diferentes técnicas para não fazer o que tem de ser feito e justificar a omissão, nossos sonhos fazem a mesma coisa. Pode-se reconhecer esse tipo de sonho pelo modo com a pessoa o narra. Quando elas passam imediatamente à narração do sonho sem sentí-lo ou respeitá-lo, sem uma mostra conveniente de recato ou pudor, trata-se com certeza de um desses sonhos.

Chamo tais sonhos de sonhos secundários, ligados a sentimentos secundários e, com estes, destinados a negar o que quer que esteja acontecendo. Uma vez que tudo é "apenas sonho", as pessoas acham que não precisam fazer nada. Se levarmos esses sonhos a sério, só reforçaremos o problema e uma parte do sonhador rirá de nós ao ver-nos apanhados na armadilha. Isso lembra a frase: "Ontem sonhei com você, Você estava..." Em geral, a pessoa quer apenas se divertir à nossa custa.

Eis um grande exemplo de um sonho secundário: um homem sonhou que um falcão avistara um passarinho, deixara-o cantar por algum tempo, apanhara-o com todo cuidado, voara sobre o ninho do passarinho e ali o depositara mansamente. O homem achara que era um sonho maravilhoso.

Sua situação concreta no lar era a seguinte: a esposa o deixara para viver com outro homem. Aparecia três vezes por semana para ver os filhos e passava os quatro dias restantes com o amante. O homem aceitara aquela situação embora estivesse profundamente magoado. Ora, o sonho descrevia muito bem a sua condição. Em vez de fazer o que um falcão de verdade faria, o falcão onírico reconduzia gentilmente o pássaro a seu ninho. Ele entregara a mulher a outro e ela fora aninhar-se em cama alheia. O homem achava que era um sonho maravilhoso, uma revelação. Não percebeu apenas que descrevia sua situação. Era um sonho secundário. Sonhos secundários lembram o ato de atiçar cães para ver se mordem. É fácil adivinhar coisas nas imagens oníricas, em vez de realizar as mudanças necessárias na vida.

Há outra categoria de sonhos que chamo de sonhos primários. Eles são lembranças codificadas e, como os sentimentos primários, nada tem de clamoroso ou dramático. Sonhos com água, por exemplo, muitas vezes veiculam a lembrança do nascimento. Uma mulher sonhou que esquiava com sua filha. ao descer a encosta, segurou-a entre as pernas, mas uma vez lá embaixo, a menina caiu num lago. Perguntei-lhe a respeito de seu próprio nascimento. Declarou que viera ao mundo de maneira muito súbita, quando a mãe se achava na banheira. Assim, o sonho parece ser exemplo de lembrança codificada.

Distingo também os sonhos sombrios. Eles mostram um lado nosso que não queremos ver. Usualmente não narramos estes sonhos porque não estamos a altura de encarar o que eles nos contam. Eles podem, de fato, revelar um lado oculto de nossa personalidade. Se vocês tencionarem trabalhar com tais sonhos, será necessário levá-los a sério e encontrar em sus próprios corações um lugar para os elementos assustadores que eles revelam. É o método da integração.

Há também os sonhos sistêmicos. Nada tem a ver com a experiência pessoal do sonhador, pintando antes uma situação não resolvida na família ou na família ampliada. Trazem à consciência, algo com o qual é importante lidar no sistema familiar. Se o sonhador assume a tarefa de equilibrar o sistema familiar inteiro, as consequências são quase sempre desastrosas.

Os sonhos sistêmicos frequentemente apresentam características brutais: falam de suicídio, assassinato e morte. A própria sombra do sistema passa a ser muitas vezes visível. Quando tentamos interpretar esses sonhos como se fossem afirmações sobre a pessoa, abusamos do cliente, fazendo-o pessoalmente responsável por algo que na verdade é bem maior.

(...) Um homem sonhou certa vez que encontrou, no porão, um corpo esquartejado. Chamara a polícia. Queria esmiuçar o sonho, falar de seus impulsos homicidas inconscientes e por aí além, mas eu o interrompi. Perguntei-lhe quem, na família, fora assassinado. Ele respondeu que não sabia e telefonou para o pai. Este declarou: "Não posso falar sobre isso por telefone." O que o pai finalmente lhe contou foi que, pouco depois de ele nascer , a mãe engravidara novamente e tivera complicações. O hospital não dispunha de recursos necessários e o feto teve de ser morto e removido do ventre materno aos pedaços. Embora o homem não soubesse do irmão sacrificado antes de ter tido o sonho, já reservara a ele, inconscientemente, um lugar em sua vida. Sempre tivera tudo em dobro: dois apartamentos, dois escritórios, duas escrivaninhas, etc. essa era a situação real.

Há outra coisa interessante a respeito dos sonhos: na maioria deles, tudo o que precisamos está no primeiro par de frases. A narração de um sonho geralmente atinge o ponto alto após a segunda ou a terceira sentença. O que vem depois é redundante e diminui a força do sonho. A pessoa que narra um sonho costuma perder-se nos detalhes. Se conseguirmos fazê-la concentrar-se adequadamente e interrompê-la depois da segunda ou terceira frase, teremos mais probabilidade de apreender com clareza a mensagem com a qual devemos trabalhar.

Há sonhos que realmente ajudam; mas ajudam sobretudo as pessoas que já estão cuidando de si mesmas. Essas pessoas são amparadas por sua própria profundidade. Chamo esses sonhos de metassonhos. O sonhador percebe imediatamente o significado do sonho e não exige mais explicações. São sonhos que trazem a solução à consciência. Às vezes, quando estou lidando com um problema, os metassonhos fornecem a solução ou indicam o próximo passo; isso, porém, só acontece se me vejo preparado para depositar confiança no sonho mediante ações subsequentes.

Portanto, se desejam trabalhar com sonhos, convém fazer distinção entre os vários tipos. Obviamente, o que eu disse não é uma teoria abrangente do trabalho com sonhos. Trata-se apenas de uma série de observações que poderão ajudá-los a evitar algumas das armadilhas mais comuns, sem o risco de tomar uma direção improdutiva. Não pretende, absolutamente, substituir outros métodos de compreensão e abordagem dos sonhos; eu porém acho altamente destrutivo tratar todos os sonhos como verdades. Reza um ditado chinês: "O sábio não sonha." Não precisa mais sonhar.

Fonte:

Hellinger, Bert

A Simetria oculta do Amor - por que o Amor faz os relacionamentos darem certo. Ed Cultrix ltda., primeira edição 1998,

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